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Experiência Cirúrgica

Fellowship no exterior e o Treinamento em Vitrectomias de Alto Volume

Realizar um fellowship em outro pais é o desejo de muitos estudantes de medicina. No caso da oftalmologia não é diferente e há inúmeras possibilidades para se conquistar esse sonho, tanto relacionada à escolha do país e do serviço a ser acompanhado quanto da área de atuação.

Nesta matéria, contamos a experiência de duas médicas oftalmologistas que fizeram seus fellows em diferentes locais fora do Brasil no treinamento de cirurgias vítreo-retinianas. A oftalmologista Bruna Gil Ferreira se graduou em medicina na Unicamp e depois fez residência em oftalmologia e fellowship de retina clínica na mesma universidade. Ela comenta que, ao final da residência, já tinha ideia de que queria fazer uma pós-graduação no exterior. “Entretanto, eu não sabia muito bem como, se por método de pesquisa, se clínica ou cirúrgica, daí no meu terceiro ano de residência, fui assistir a uma palestra no Congresso Brasileiro de Retina e Vítreo e descobri que era possível fazer um fellow clínico e cirúrgico no Canadá. Foi, então, que decidi realizar essa experiência”, revela. Ela fez a inscrição para o curso através de uma plataforma online e foi selecionada para a Universidade de Montreal (Quebec, Canadá).

A cirurgiã explica que, como o fellowship na Universidade de Montreal é basicamente cirúrgico, dedicou-se à técnica de vitrectomia de alto volume. “Eu ia para o centro cirúrgico de segunda a sexta-feira, das 8h até as 17h, e fazia uma média de dez, às vezes até 12, cirurgias em um dia. Para conseguir realizar um volume tão grande de procedimento, é necessário ter uma técnica altamente produtível. Fazemos mais ou menos o que um cirurgião de catarata de alto volume faz”, compara a médica, esclarecendo que a diferença é que na cirurgia de catarata todas as etapas são iguais para todos os casos, uma vez que se trata de uma mesma patologia, enquanto nas cirurgias vítreo-retinianas existem várias doenças diferentes.

“Dessa forma, havia um esquema em que operávamos sempre de uma determinada maneira; dependendo da doença, realizávamos os mesmos passos sucessivamente”, afirma, salientando que todo o fluxo era feito com o intuito de minimizar o tempo de horário cirúrgico e aumentar o volume de cirurgias. “No Canadá, o sistema de saúde é 100% público, por isso eles precisam fazer o máximo de cirurgias possível para minimizar o tempo e, assim, reduzir os custos e poder atender a população toda, esse é o grande diferencial do país”, completa a oftalmologista.

Fellowship em Retina na França

Já Denise Pardini Marinho, preceptora de retina clínica e cirúrgica do Retina Instituto, em Belo Horizonte (MG), formou-se em medicina, em 2014, na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e, ao final, do curso decidiu se especializar em oftalmologia, mudando-se para São Paulo para fazer a residência médica. Ela diz que durante a residência se apaixonou pela cirurgia oftalmológica e teve a oportunidade de realizar um grande volume de procedimentos em todas as subáreas da especialidade.
“Ali também nasceu o meu interesse pelas doenças da retina, daí resolvi fazer a especialização em retina clínica e cirúrgica pelo Instituto da Visão – IPEPO”, informa.

A médica comenta que no IPEPO acompanhou e aprendeu com os maiores especialistas de retina do país, tendo a oportunidade de atender pacientes no SUS e nas clínicas particulares de seus preceptores. Denise explica que a cirurgia vítreo-retiniana é uma
área na qual existem diversas possibilidades para se tratar uma mesma patologia, e quanto maior o leque de ideias do cirurgião, maior é sua adaptação às diferentes situações do dia a dia. No segundo ano da especialização, ela conta que teve a oportunidade de se candidatar para prestar um fellow “hands on” (realização de cirurgias sob supervisão), no Centre Monticelli Paradis, em Marselha, na França, em um centro de referência em retina com cinco dos maiores cirurgiões do país.

Conforme ressalta a médica, a cirurgia vítreo-retiniana é considerada ser de alta complexidade e, por esse motivo, existe uma cultura de que não é possível realizá-la em alto volume. “Isso não é verdade, mas para que seja possível, é preciso unir competência técnica e um mindset de eficiência, objetividade e resolutividade do médico cirurgião, equipe anestésica e do time de enfermagem”, opina. Segundo a cirurgiã, é importante ressaltar que a técnica para a realização do procedimento, por se tratar de alto volume cirúrgico, muda. “Se quisermos fazer um alto volume de cirurgias vítreo-retinianas, é necessário mudar hábitos e manias que adquirimos ao longo do nosso treinamento e que acabam diminuindo a eficiência do cirurgião. Não é uma questão de pressa e sim de objetividade”, avalia.

Cirurgias eficientes e seguras

De acordo com Denise, há alguns pontos que contribuem para a elevação da resolutividade das cirurgias vítreo-retinianas, entre os quais: foco para minimizar o número de entradas e saídas de instrumentos no olho do paciente, concentração para a realização de gestos cirúrgicos conclusivos, de forma que não seja necessário que o cirurgião retorne para concluir aquele passo, e boa visulização das estruturas a serem manipuladas. “Considerando as sugestões acima, na minha experiência, a maioria das cirurgias vítreo retinianas podem ser concluídas em aproximadamente 30 minutos”, observa a especialista.

Ela diz que essas atitudes aumentam a eficiência, a segurança e a chance de sucesso da cirurgia. “Diminuindo a repetição dos gestos cirúrgicos, reduzimos a chance de lesões iatrogênicas, e o risco de infecção ocular é menor quanto menor for o tempo cirúrgico e a manipulação do olho”, revela, salientando que o foco é a eliminação de gestos ineficientes, em linha com o ditado popular: “bem
feito é melhor do que refeito”. “A mensagem mais importante é que se todos da equipe estiverem focados em otimizar todo o processo cirúrgico, desde a entrada do paciente no centro cirúrgico até a sua saída para a sala de recuperação, as chances de sucesso e de boa condução de toda a agenda cirúrgica serão maiores, mas é um esforço conjunto liderado pelo cirurgião e não integralmente realizado por ele”, completa.

Já na experiência de Bruna, ela comenta que a equipe de enfermagem e os médicos se entrosavam muito bem. “Quando eu solicitava a cirurgia, já fazia um planejamento de tudo o que ia utilizar, passo a passo, e a enfermeira já deixava tudo separado para aquela cirurgia. E chega uma hora que o movimento é tão repetitivo que a enfermeira já sabe o que me entregar sem que eu tenha que pedir”, afirma. Ela relembra que havia uma TV para assistir a cirurgia em 3D ou mesmo acoplada no microscópio, para que enfermeira pudesse observar todas as etapas do procedimento. “Isso ajuda muito, porque ela vê a membrana em que estou fazendo o peeling, sabe que na hora que eu acabar o peeling, vou fazer a revisão da periferia; portanto, ela conhece todo o procedimento e sabe todo o material que eu vou utilizar”, pontua.

Denise entre o Dr. François Devin e o Dr. Bruno Morin, fundadores do Centro Monticelli Paradis, que é o centro de referência em retina em Marselha. Ela carrega um equipamento que ganhou de presente deles e que a ajuda na cirurgia de alto volume.

Para a médica, isso só é possível com uma equipe que tem boa comunicação e com um cirurgião com prática em cirurgias de alto volume. “Certamente que quando eu comecei a fazer meu treinamento cirúrgico, não era capaz de realizar dez vitrectomias em um dia, mas quanto mais você pratica, mais você faz aquele movimento ser o mais preciso e o mais objetivo possível”, diz a cirurgiã, complementando que, dessa forma, não se perdia tempo em nenhum passo desnecessário.

 

 

Retorno ao Brasil

Denise conta que voltou ao Brasil no Natal de 2021 e, inicialmente, direcionou seu foco em conquistar a aprovação na prova da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo e, em paralelo, tornou-se preceptora de retina clínica e cirúrgica de uma instituição de ensino intitulada Retina Instituto, coordenada pela Dra. Tereza Kanadani, onde realiza cirurgias pelo SUS.

Por estar fora de sua cidade natal há muito tempo, ela revela que seu meu maior desafio é se adaptar ao ambiente de trabalho em Belo Horizonte. “O que pude notar, no início, é que há um intervalo de tempo elevado entre o primeiro contato com o paciente e a sua entrada para o centro cirúrgico, se indicado. Neste interstício, o paciente deve percorrer inúmeras etapas para que possa realizar consultas e exames até ser operado”, relata, mencionando que outro desafio é o treinamento e o shift de mindset (mudança cultural) da equipe anestésica e de enfermagem para a realização do alto volume em locais nos quais, atualmente, são realizadas três cirurgias vítreo-retinianas por turno.

Já faz quase um ano que Bruna voltou ao Brasil e desde seu retorno ela diz estar se esforçando para chegar ao número que fazia quando estava no Canadá. “A grande diferença é que lá tem um volume muito grande porque o cirurgião de retina é só cirurgião de retina, ele não atende oftalmologia geral, o que lhe permite ter uma consistência e também uma equipe muito bem treinada”, aponta.

Para ela, um sistema altamente reprodutível de vitrectomia no Brasil teria que ser como no Canadá: atendimento acessível a todos (saúde pública) e que garantisse aos pacientes uma cirurgia de qualidade pré e pós-operatória. “Se tivermos uma equipe bastante familiarizada com a técnica, trabalhando bem em conjunto, conseguiremos operar um grande número de pessoas, reduzindo a fila de cirurgias pelo SUS possivelmente pela metade”, opina a médica, esclarecendo que seria muito vantajoso um sistema
desses no país. “Sabemos que a fila de cirurgias oftalmológicas pelo sistema público, principalmente de retina, é grande, e tem muito paciente ficando inoperável e perdendo completamente o prognóstico por ter esperado muito tempo pela cirurgia. Com esse sistema, minimizaríamos consideravelmente essa situação”, conclui Bruna.

 

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